Madame Bovary - Cap. 28: V Pág. 301 / 382

Então, ela olhou para o maço de notas e, pensando no ilimitado número de encontros que aqueles dois mil francos representavam, balbuciou:

- Como? Como?

- Oh! - prosseguiu ele, rindo com um ar bonacheirão -, nas facturas pode-se pôr tudo o que se quiser. Então eu não sei como se faz noutras casas?

E olhava-a fixamente, segurando na mão dois grandes papéis que fazia deslizar entre os dedos. Por fim, abrindo a carteira, estendeu em cima da mesa quatro letras à ordem, de mil francos cada uma.

- Assine-me isto - disse ele - e guarde tudo.

Ela protestou escandalizada.

- Mas se eu lhe dou a diferença - respondeu descaradamente Lheureux -, não lhe estou a fazer um favor?

E, pegando numa pena, escreveu por baixo da conta: «Recebi da Sr. Bovary quatro mil francos.»

- Porque é que se inquieta, uma vez que recebe o resto da barraca daqui a seis meses e eu marquei o prazo da última letra para depois do pagamento?

Emma atrapalhava-se um pouco com os seus cálculos e os ouvidos zuniam-lhe como se uma quantidade de moedas de ouro, rompendo os sacos caíssem a tilintar no chão em redor dela. Finalmente, Lheureux explicou que tinha um amigo chamado Vinçart, banqueiro em Ruão, que lhe ia descontar as quatro letras. Depois, ele próprio entregaria à senhora a diferença da dívida real.

Mas, em lugar de dois mil francos, trouxe-lhe apenas mil e oitocentos, porque o amigo Vinçart (como era justo) havia ficado com duzentos, para despesas de comissão e desconto.

Depois pediu-lhe um recibo, com toda a naturalidade.

- Compreende..., no comércio..., às vezes... E com a data, se faz favor, ponha a data.

Abriu-se então diante de Emma um horizonte de fantasias realizáveis.

Teve prudência suficiente para pôr de reserva mil escudos, as três primeiras letras; mas a quarta, por acaso, apareceu-lhe em casa numa quinta-feira, e Charles, atrapalhado, esperou pacientemente o regresso da mulher para lhe pedir explicações.





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