Madame Bovary - Cap. 29: VI Pág. 313 / 382

Pairou nos ares uma vibração de bronze, ouvindo-se quatro badaladas no sino do convento. Quatro horas! E parecia que ali estava, sentada naquele banco, desde a eternidade. Mas um minuto pode conter uma infinidade de paixões, do mesmo modo que uma multidão pode caber num pequeno espaço.

Emma vivia ocupada com as suas paixões, sem se preocupar com o dinheiro, como se fosse uma arquiduquesa.

Mas, uma vez, apareceu-lhe em casa um homem de aspecto franzino, rubicundo e calvo, dizendo vir da parte do Sr. Vinçart, de Ruão. Retirou os alfinetes que fechavam o bolso lateral da sua sobrecasaca verde, espetou-os na manga e desdobrou delicadamente um papel.

Era uma letra de setecentos francos, assinada por ela e que Lheureux, apesar de todos os seus protestos, havia passado à ordem de Vinçart.

Mandou imediatamente a criada a casa de Lheureux. Este não podia vir. Então o desconhecido, que ficara de pé, lançando em todas as direcções olhares curiosos que as fartas sobrancelhas louras dissimulavam, perguntou com um ar ingénuo:

- Qual é a resposta que levo ao Sr. Vinçart?

- Ora bem - respondeu Emma -, diga-lhe... que não tenho agora. Fica para a próxima semana... Ele que espere..., sim, até à próxima semana.

E o homenzinho lá se foi sem dizer palavra.

Mas, no dia seguinte, ao meio-dia, Emma recebeu uma protestação; e, à vista do papel timbrado que ostentava repetidas vezes e em grandes caracteres: «Dr, Hareng, oficial de diligências em Buchy», apanhou tão grande susto que correu a toda a pressa a casa do vendedor de tecidos.

Foi encontrá-lo na loja, atando um pacote.

- Um seu criado - disse ele. - Estou à suas ordens.

Lheureux nem por isso interrompeu o seu trabalho, ajudado por uma rapariga de mais ou menos treze anos, um pouco corcunda, que lhe servia tanto de caixeira como de cozinheira.





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