Madame Bovary - Cap. 29: VI Pág. 316 / 382

Voltou ainda a chamá-la para lhe mostrar três metros de renda fina que encontrara recentemente «numa arrematação».

- Que linda! - dizia Lheureux. - Usa-se agora muito para guarnecer poltronas, está na moda.

E, mais hábil que um ilusionista, embrulhou a renda em papel azul e meteu-a nas mãos de Emma.

- Mas preciso saber, pelo menos... ?

- Ah!, noutra altura - respondeu ele, voltando-lhe as costas.

Naquela mesma noite, ela instou com o marido para que escrevesse à mãe, pedindo-lhe que enviasse, o mais depressa possível, o restante da herança. A sogra respondeu que não tinha mais nada; a liquidação estava encerrada e restava-lhes, além de Barneville, seiscentas libras de rendimento, de que ela os embolsaria pontualmente.

Expediu então facturas a dois ou três clientes. Emma começou depois a usar e abusar deste processo, que lhe dava resultado. Tinha sempre o cuidado de acrescentar em post-scriptum: «É favor não dizer nada a meu marido, sabe como ele é orgulhoso... Desculpe-me... Sua criada...» Houve algumas reclamações; conseguiu interceptá-las.

Para realizar dinheiro, pôs-se a vender as suas luvas usadas, os chapéus, ferro-velho; e regateava com sagacidade, com o seu sangue de camponesa a atraí-la para o lucro. Depois, nas suas idas à cidade, negociava com bugigangas, que o Sr. Lheureux, à falta de melhor, certamente lhe comprava. Comprou plumas de avestruz, porcelana chinesa e baús; pedia dinheiro emprestado a Félicité, à Sr. Lefrançois, na estalagem da . Cruz Vermelha, a toda a gente, fosse onde fosse. Com o dinheiro que finalmente recebeu de Barneville, pagou duas letras; os restantes mil e quinhentos francos desfizeram-se; empenhou-se novamente e continuou sempre assim!

Por vezes, é verdade, procurava fazer cálculos; mas descobria contas tão exorbitantes que nem podia acreditar.





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