Madame Bovary - Cap. 29: VI Pág. 317 / 382

Começava de novo, voltava logo a atrapalhar-se, desistia e não pensava mais no assunto.

A casa era agora um espectáculo bem triste! Viam-se sair de lá os fornecedores com caras furiosas. Havia lenços por cima dos fogões; e a pequena Berthe, para grande escândalo da Sr. Homais, andava de meias rotas. Se Charles, timidamente, arriscasse uma observação, respondia-lhe bruscamente que não tinha culpa!

Qual a razão daqueles arrebatamentos? Charles explicava tudo com a antiga doença de nervos; e, reprovando-se por lhe ter tomado os achaques por defeitos, acusava-se de egoísmo e tinha vontade de correr a beijá-la.

«Isso não!», pensava ele; «poderia aborrecê-la!» E deixava-se ficar.

Depois do jantar passeava sozinho pelo jardim; sentava a pequenina Berthe no colo e, abrindo a sua revista de medicina, procurava ensinar-lhe a ler. A criança, que nunca estudava, logo arregalava os olhos tristes e começava a chorar. Então ele consolava-a; ia-lhe buscar água no regador para fazer ribeiros na areia, ou partia ramos de ligustros para fingir que plantava árvores nos canteiros, o que pouco dano causava ao jardim, invadido, como estava, de grandes ervas; deviam-se tantos dias ao Lestiboudois! Depois, a miúda sentia frio e perguntava pela mãe.

- Chama pela criada - dizia Charles. - Sabes bem, minha menina, que a tua mamã não quer que a incomodem.

Começava o Outono e já as primeiras folhas caíam, como dois anos antes, quando ela estava doente! Quando acabará tudo isto?... E continuava a caminhar com as mãos atrás das costas.

A senhora estava no seu quarto. Ninguém lá ia. Ficava ali durante o dia todo, entorpecida, quase nua e, de vez em quando, queimava pastilhas de serralho que comprara em Ruão, na tenda de um argelino.





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