Voltou para casa e Félicité mostrou-lhe, atrás do relógio, um papel cinzento. Ela leu:
«Em virtude da cópia dos autos, segundo a norma executória dum julgamento...»
Que julgamento? Na véspera, efectivamente, tinham trazido outro papel de que ela não tinha conhecimento; por isso ficou estupefacta perante estes termos:
«Por ordem do rei, da lei e da justiça, é intimada a Sr. D. Emma Bovary...»
Saltando várias linhas, leu ainda:
«No prazo máximo de vinte e quatro horas.» - O quê? «Pagar a soma total de oito mil francos.» E havia ainda mais abaixo: «Será a isso obrigada por todos os meios de direito, nomeadamente por execução de penhora sobre todos os seus móveis e haveres.»
O que fazer?.. O prazo era de vinte e quatro horas; amanhã! Pensou que Lheureux estivesse a querer assustá-la mais uma vez; porque viu de repente todas as suas manobras, o objectivo das suas amabilidades. O que a tranquilizava era o próprio exagero da importância.
A verdade é que, à força de comprar, de não pagar, de pedir emprestado, de assinar letras e depois renovar essas letras que engordavam a cada novo vencimento, ela acabara por preparar ao Sr. Lheureux um capital que ele impacientemente esperava para as suas especulações.
Emma apresentou-se-lhe em casa com um ar desembaraçado. - Sabe o que me aconteceu? Naturalmente é uma brincadeira!
- Não é.
- Então como é isso?
Ele voltou-lhe lentamente as costas e disse-lhe, cruzando os braços:
- Pensava a damazinha que eu seria, até à consumação dos séculos, seu fornecedor e banqueiro por amor de Deus? Sejamos justos! É bem necessário que eu reembolse o meu dinheiro.