Madame Bovary - Cap. 31: VIII Pág. 354 / 382

Quando entraram, o quarto estava cheio duma solenidade lúgubre. Em cima da mesa de costura, coberta com uma toalha branca, havia cinco ou seis bolinhas de algodão numa bandeja de prata, junto dum crucifixo, entre dois castiçais acesos. Emma, com o queixo encostado ao peito, abria desmesuradamente os olhos; e as suas pobres mãos moviam-se sobre o lençol com aquele gesto horrendo e lento dos agonizantes, que parecem querer cobrir-se já com o sudário. Pálido como uma estátua, com os olhos vermelhos como brasas, Charles, sem chorar, mantinha-se na frente dela, aos pés do leito, enquanto o padre, apoiado num joelho, murmurava palavras em surdina.

Ela voltou a cabeça lentamente e pareceu possuída de alegria ao ver subitamente a estola roxa, reencontrando sem dúvida, no meio duma calma extraordinária, o deleite perdido desde os seus primeiros impulsos místicos, com visões duma bem-aventurança eterna que se aproximava.

O padre levantou-se para pegar no crucifixo: então ela estendeu o pescoço como alguém que tem sede e, encostando os lábios ao corpo do Homem- Deus, depôs nele com toda a sua força agonizante o maior beijo de amor que jamais dera. Seguidamente, ele recitou o Misereatur e o Indulgentiam, molhou o polegar direito no azeite e começou a unção: primeiro nos olhos, que tanto haviam cobiçado todas as sumptuosidades terrestres; depois nas narinas, ávidas de brisas cálidas e perfumes amorosos; depois na boca, que se abria para a mentira, que gemera de orgulho e finalmente, nas plantas dos pés, tão rápidos outrora quando corria a saciar os seus desejos e que não voltariam a caminhar.

O padre limpou os dedos, deitou ao fogo os pedaços de algodão molhados de azeite e foi sentar-se ao pé da moribunda para lhe dizer que devia agora unir os seus sofrimentos aos de Jesus Cristo e entregar-se à misericórdia divina.





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