Madame Bovary - Cap. 5: V Pág. 36 / 382

V

A fachada de tijolo ficava mesmo no alinhamento da rua, ou melhor, da estrada. Atrás da porta estavam pendurados uma capa de gola curta, um freio e um boné de couro preto e a um canto, no chão, havia um par de polainas ainda cobertas de lama seca. À direita ficava a sala, ou seja, o aposento onde se comia e se passava a maior parte do tempo. Um papel amarelo-canário, guarnecido ao alto por uma grinalda de flores desbotadas, abanava todo sobre a sua tela mal esticada; cortinas de paninho branco, orladas de um galão vermelho, entrecruzavam-se sobre as janelas e sobre o estreito rebordo do fogão resplandecia um relógio com uma cabeça de Hipócrates, entre dois castiçais de metal prateado, debaixo de redomas de forma oval. Do outro lado do corredor era o gabinete de Charles, um pequeno compartimento de mais ou menos seis passos de largo, com uma mesa, três cadeiras e uma poltrona de escritório. Os tomos do Dicionário das Ciências Médicas, por abrir, mas cuja brochura se estragara em todas as vendas sucessivas por que tinham passado, guarneciam quase por completo as seis prateleiras duma estante em madeira de pinho. O cheiro dos refogados atravessava a parede durante as consultas, do mesmo modo que, na cozinha, se ouviam os doentes tossir no gabinete e contar toda a sua história. Dando para o pátio, onde estava a cavalariça, havia depois uma grande divisão mal conservada, com um forno e que agora servia de arrecadação de lenha, de despensa e de armazém, cheia de ferros-velhos, de barris vazios, de alfaias inutilizadas e de uma quantidade de outras coisas cobertas de pó, cuja utilidade seria impossível de adivinhar.

O jardim, mais comprido do que largo, entre dois muros de adobe cobertos por uma latada de damascos, estendia-se até uma sebe de espinheiros que separava os campos.





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