Madame Bovary - Cap. 34: XI Pág. 380 / 382

Por fim, não aguentando mais, mandou fazer no seu jardim um tabuleiro de relva com o efeito de uma cruz da Legião de Honra, imitando até a fita com dois prolongamentos de erva partindo da haste superior. Punha-se a passear-lhe em volta, de braços cruzados, meditando na inépcia do governo e na ingratidão dos homens.

Por respeito, ou por uma espécie de sensualismo que o fazia imprimir lentidão às suas investigações, Charles não abrira ainda o compartimento secreto de uma escrivaninha de palissandro de que Emma habitualmente se servia. Um dia, finalmente, sentou-se-lhe na frente, deu a volta à chave e abriu-a. Lá estavam todas as cartas de Léon. Desta vez não restavam dúvidas! Devorou-as completamente até à última, rebuscou em todos os cantos, todos os móveis, todas as gavetas, atrás das paredes, soluçando, uivando, desvairado, enlouquecido. Descobriu uma caixa, arrombou-a com um pontapé. O retrato de Rodolphe quase lhe saltava ao rosto, no meio das cartas de namoro revolvidas.

Admiraram-se do seu desânimo. Deixou de sair, não recebia ninguém, até se recusava a visitar os doentes. Insinuaram então que se fechava para beber.

Entretanto, às vezes algum curioso esticava-se para espreitar por cima da cerca do quintal e observava pasmado aquele homem de barba comprida, coberto de sórdidos farrapos, com aspecto feroz, chorando alto enquanto caminhava.

À tarde, no Verão, pegava na sua filhita e levava-a ao cemitério. Só voltava de lá noite cerrada, quando a única luz acesa sobre a praça era a da água-furtada de Binet.

A voluptuosidade da sua dor era porém incompleta, porque não havia junto de si ninguém que a compartilhasse; fazia visitas à Tia Lefrançois para poder falar dela. Mas a estalajadeira pouca atenção lhe dava, pois, como ele, tinha também as suas ralações, porque o Sr.





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