Madame Bovary - Cap. 1: PRIMEIRA PARTE – I Pág. 5 / 382

Desgostoso, cheio de remorsos, acusando o céu, sentindo inveja de toda a gente, encerrou-se ali a partir da idade de quarenta e cinco anos, enojado com os homens, dizia ele, e decidido a viver em paz.

A mulher fora em tempos louca por ele; amara-o com mil e uma atitudes de servilismo, que ainda mais o afastaram dela. Outrora jovial, expansiva e apaixonada, tornara-se ao envelhecer (como o vinho que, exposto ao ar, se transforma em vinagre), mal-humorada, lamurienta, nervosa. Sofrera tanto, sem se queixar, ao princípio, quando o via a correr atrás de todas as marafonas da aldeia e quando, à noite, voltava dos piores lugares, embrutecido e a cheirar à bebedeira! Depois, o orgulho dela revoltara-se. Então tornara-se calada, engolindo a raiva num estoicismo mudo que conservou até à morte. Mantinha-se continuamente ocupada, tratando dos negócios da casa. Ia falar aos advogados, ao juiz, recordava-se do vencimento das letras, conseguia prorrogações; e, em casa, passava a ferro, cosia a roupa, lavava, vigiava os trabalhadores, liquidava as contas, enquanto, sem se preocupar com coisa nenhuma, o senhor, permanentemente entorpecido numa sonolência amuada de que só despertava para lhe dizer coisas desagradáveis, continuava a fumar ao canto da lareira e a cuspir nas cinzas.

Quando ela teve um filho, foi preciso entregá-lo a uma ama. Logo que voltou para casa, o garoto foi mimado como um príncipe. A mãe alimentava-o com doces; o pai deixava-o correr descalço e, para se mostrar filósofo, dizia até que ele podia andar todo nu, como os filhotes dos animais. Ao contrário das tendências maternas, tinha ele um certo ideal viril da infância, segundo o qual procurava formar o filho, querendo que este fosse educado duramente, à maneira espartana, para adquirir uma boa constituição.





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