Madame Bovary - Cap. 9: IX Pág. 73 / 382

Iam então agora seguir-se assim em fila, idênticos uns aos outros, inumeráveis, nada trazendo de novo! As outras existências, por muito monótonas que fossem, contavam, pelo menos, com a possibilidade de qualquer acontecimento imprevisto. Uma aventura trazia às vezes consigo peripécias sem fim e o cenário transformava-se. Mas, para ela, nada acontecia. Deus assim o quisera! O futuro era um corredor todo escuro que tinha ao fundo uma porta bem fechada.

Abandonou a música. Para quê tocar? Quem a ouviria? Como nunca lhe seria possível, de vestido de veludo com mangas curtas, num concerto, batendo com os seus finos dedos as teclas de marfim de um piano de Erard, sentir, como uma brisa, circular em torno de si um murmúrio de êxtase, não valia a pena enfadar-se a estudar. Deixou dentro do armário as suas pastas de desenho e os bordados. Para quê? De que servia? A costura irritava-a.

«Li tudo», dizia para si mesma.

E entretinha-se a fazer as tenazes ficarem rubras em contacto com as brasas, ou a ver a chuva a cair.

Sentia-se particularmente triste ao domingo, quando tocavam as vésperas. Escutava, com atenção entorpecida, soar, uma a uma, as badaladas fanhosas do sino. Um ou outro gato, andando vagarosamente sobre os telhados, arqueava o lombo aos pálidos raios de sol. O vento, na estrada larga, levantava nuvens de pó. Ao longe, às vezes, um cão uivava; e o sino, com a mesma cadência, continuava o monótono badalar que se perdia nos campos.

Entretanto, saía-se da igreja. As mulheres de tamancos engraxados, os camponeses de blusa nova, as crianças saltitando, sem chapéu, adiante deles, regressavam todos a casa. E, até à noite, uns cinco ou seis homens, sempre os mesmos, ficavam a jogar diante da grande porta da estalagem.





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