Madame Bovary - Cap. 10: SEGUNDA PARTE – I Pág. 83 / 382

O guarda, que é simultaneamente coveiro e sacristão na igreja (tirando assim um duplo benefício dos cadáveres da paróquia), aproveitou o terreno vazio para lá semear batatas. Entretanto, de ano para ano, a sua pequena horta vai ficando mais pequena e, quando surge uma epidemia, não sabe se há-se regozijar-se com os falecimentos ou entristecer com as sepulturas.

- Você come à custa dos mortos, Lestiboudois! - disse-lhe por fim, um dia, o padre.

Esta observação sombria fê-lo reflectir; fê-lo parar por algum tempo; mas, até hoje, continua a cultivar os seus tubérculos, e ainda tem o descaramento de afirmar que nascem espontaneamente.

Desde os acontecimentos que se vão narrar, nada, com efeito, mudou em Yonville. A bandeira tricolor de lata gira ainda no alto do campanário da igreja; a loja do negociante de modas continua a agitar ao vento as suas bandeirolas de chita. Os fetos do farmacêutico, como pacotes de isca branca, apodrecem cada vez mais dentro do seu álcool turvo e, por cimada grande porta da estalagem, o velho leão de ouro, desbotado pelas chuvas, continua a mostrar aos transeuntes o seu frisado de caniche.

Na noite em que o casal Bovary devia chegar a Yonville, a viúva Lefrançois, dona da dita estalagem, andava tão atarefada que suava em bica a remexer as panelas. Era véspera de dia de mercado na povoação. Era preciso cortar antecipadamente as carnes, arranjar os frangos, fazer sopa e café. Tinha, além disso, a refeição dos hóspedes, a do médico, da mulher deste e da criada; o bilhar estava cheio de ruídos de riso, na sala pequena três moleiros pediam que lhes servissem aguardente; a lenha flamejava, o braseiro crepitava e, sobre a grande mesa da cozinha, entre os pedaços de carneiro cru, erguiam-se pilhas de pratos que tremiam às sacudidelas do cepo onde estavam a ser esmagados os espinafres.





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