- Bela ou feia - disse Cândido -, sou um homem honrado e o meu dever é continuar a amá-la. Mas como pôde ela ser reduzida a um estado tão abjecto, com os cinco ou seis milhões que tu levavas?
- Bem - disse Cacambo -, tive de dar dois milhões ao Sr. D. Fernando de Ibarra y Figueroa y Mascarenes y Lampourdos y Sousa, governador de Buenos Aires, para reaver a menina Cunegundes. Depois, um pirata despojou-nos violentamente do resto. Este pirata levou-nos ao cabo Matapão, a Milo, a Nicósia, a Samos, a Petra, aos Dardanelos, a Mármara, a Escútari. Em resumo, Cunegundes e a velha encontram-se a servir em casa do príncipe de que vos falei e eu sou escravo do sultão destronado.
- Que espantosa cadeia de calamidades! - disse Cândido. - Mas, no fim de contas, ainda tenho alguns diamantes. Libertarei facilmente Cunegundes. O pior é que ela se tenha tornado tão feia.
Em seguida, voltando-se para Martin disse:
- Quem pensais vós que seja mais digno de piedade: o imperador Achmet, o imperador Ivã, o rei Carlos Eduardo ou eu? - Nada posso dizer sobre isso - respondeu Martin -; seria preciso que eu penetrasse nos vossos corações para o saber.
- Ah! - disse Cândido. - Se Pangloss aqui estivesse, ele o saberia e no-lo diria.
- Ignoro - disse Martin com que balanças o vosso Pangloss poderia pesar os infortúnios dos homens e apreciar as suas aflições; tudo o que presumo é que há milhões de homens sobre a Terra mais dignos de lástima do que o rei Carlos Eduardo, o imperador Ivã ou o sultão Achmet.
- Talvez - disse Cândido.
Chegaram em poucos dias ao canal do mar Negro. Cândido começou por resgatar Cacambo por uma avultada quantia e, sem perder tempo, atirou-se para uma galera com os seus companheiros para se dirigir às margens do Propôntide procurar Cunegundes, por mais feia que ela se tivesse tornado.