Havia na chusma dos forçados dois que remavam muito mal e a quem o patrão levantino batia de vez em quando com um chicote de nervo de boi nas espáduas nuas. Cândido, por um movimento natural, olhou com mais atenção para estes galerianos e aproximou-se deles com piedade. Certos traços dos seus rostos desfigurados pareceram-lhe ter alguma semelhança com os de Pangloss e do infeliz barão jesuíta, o irmão da menina Cunegundes. Esta ideia comoveu-o e entristeceu-o. Examinou-os com maior atenção e disse a Cacambo:
- A verdade é que, se eu não tivesse visto enforcar mestre
Pangloss e tido a infelicidade de matar o barão, diria que são eles que remam nesta galera.
Ao ouvirem falar no barão e em Pangloss, os dois forçados soltaram um grande grito e deixaram cair os remos.
O patrão levantino correu para eles e as vergalhadas redobraram. - Parai, parai, senhor! - gritou Cândido -, e dar-vos-ei quanto dinheiro quiserdes.
- O quê?, é Cândido! - dizia um dos forçados.
- O quê?, é Cândido! - dizia o outro.
- Será um sonho? - dizia Cândido. - Estarei acordado e nesta galera? Será o Sr. Barão, que eu matei, e mestre Pangloss, que eu vi enforcar?
- Somos nós próprios, somos nós próprios - responderam eles.
- O quê?! É este o grande filósofo? - perguntava Martin.
- Quanto quereis pelo resgate do Sr. De Thunder-ten-tronckh, um dos primeiros barões do império, e do Sr. Pangloss, o metafisico mais profundo da Alemanha?
- Cão de Cristão - respondeu o levantino -, visto estes dois vis forçados serem barões e metafísicos, o que é, sem dúvida, uma grande dignidade no seu país, dar-me-ás cinquenta mil cequins.
- Dar-vo-los-ei logo que chegarmos a Constantinopla.