Quando tentamos fugir, cortam-nos a perna. Eu encontrei-me nestes dois casos. É à custa de tudo isto que podeis comer açúcar na Europa. E, contudo, quando a minha mãe me vendeu por dez escudos patagónios, nas costas da Guiné, disse-me: «Meu querido filho, venera os nossos feitiços, adora-os todos os dias, e eles te farão feliz. Tens a honra de ser escravo dos nossos senhores brancos e farás a felicidade do teu pai e da tua mãe.» Ai de mim, não sei se fiz a felicidade do meu pai e da minha mãe, mas eles é que não fizeram a minha. Os cães, os macacos e os papagaios são mil vezes menos infelizes do que nós. Os feiticeiros holandeses que me converteram dizem todos os domingos que todos, brancos e negros, somos filhos de Adão. Não sou genealogista, mas se estes pregadores falam verdade, todos somos primos co-irmãos. Ora tendes de reconhecer que não se podem tratar os parentes de maneira mais horrível.
- Oh, Pangloss, Pangloss! - exclamou Cândido - não adivinhaste esta abominação. Pouco faltará para que eu tenha de renunciar ao teu optimismo.
- Que é isso de optimismo? - perguntou Cacambo.
- Ai! - respondeu Cândido -, é a teimosia de sustentar que tudo está bem quando tudo está mal.
E derramava lágrimas ao olhar o negro; e a chorar entrou em Suriname.
A primeira coisa de que se informaram foi se haveria no porto algum barco que os pudesse levar a Buenos Aires. A pessoa a quem se dirigiram foi precisamente um patrão espanhol que se ofereceu para os levar por um preço razoável. Marcou-lhes encontro numa hospedaria, e Cândido e o seu fiel Cacambo foram esperá-lo com os seus carneiros no local combinado.
Cândido, que tinha o coração ao pé da boca, contou ao espanhol todas as suas aventuras e confessou-lhe que queria raptar a menina Cunegundes.