Cândido, vendo um Milton, perguntou-lhe se ele não considerava aquele autor um grande homem.
- Quem?! - exclamou Pococuranté. - Esse bárbaro que traz um comentário do primeiro capítulo do Génesis em dez livros de versos duros? Esse grosseiro imitador dos Gregos, que desfigura de tal maneira a criação que, enquanto Moisés representa o Eterno a criar o mundo pela palavra, ele faz tirar ao Messias um grande compasso de um armário do Céu para traçar a sua obra? Como poderia eu estimar quem estragou o Inferno e o Diabo do Tasso, quem mascara Lúcifer ora de sapo, ora de pigmeu, quem lhe faz respirar cem vezes as mesmas expressões, quem o faz disputar sobre teologia, quem, tomando a sério a invenção única das armas de fogo de Ariosto, põe os diabos a disparar tiros de canhão dentro dos próprios Céus? Nem eu nem ninguém na Itália pode gostar de todas estas tristes extravagâncias. O casamento do pecado e da morte e as serpentes que o pecado dá à luz fazem náuseas a todo o homem que tem alguma delicadeza de gosto. A longa descrição que ele faz de um hospital só pode agradar a um coveiro. Este poema obscuro, bizarro e repugnante sofreu críticas acerbas dos seus contemporâneos, e eu julgo-o hoje tal como ele foi julgado na sua pátria quando foi publicado. Além disso eu digo o que penso e não me importo que os outros pensem ou não como eu.
Cândido estava muito aflito com estas apreciações, porque respeitava Homero e amava um tanto Milton.
- Receio – disse ele baixinho a Martin - que este homem tenha apenas um soberano desprezo pelos nossos poetas alemães.
- Não haveria grande mal nisso - respondeu Martin.
- Oh, que homem superior - disse Cândido entre dentes -, que grande génio é este Pococuranté, nada lhe pode agradar.