Os godos, afeitos àqueles desvios alpestres, sabiam-no; os árabes adivinhavam-no ao descortinarem o espectáculo que tinham ante si, essa espécie de caos nascido das grandes convulsões do globo na sua vida de muitos séculos, que a baça claridade da noite tornava ainda mais fantástico.
Enfim, os cristãos atravessam a gandra e começam a embrenhar-se nas solidões das mais agras montanhas. Os agarenos redobram então de energia; mas debalde. Poucos passos medeiam entre uns e outros, e os fugitivos sentem já o resfolegar dos cavalos e o respirar alto dos inimigos; mas esse espaço não se encurta. Aí, parece estar de permeio o braço da Providência, que quer salvar os defensores da Cruz. Furiosos, esquecidos da vontade de Abdulaziz, que exige para pasto dos tormentos aquelas poucas vidas, os guerreiros do amir despedem de longe as lanças, que vão pela maior parte cravar-se nos troncos dos robles. Duas, porém, silvam por entre os fugitivos; ao mesmo tempo dois ginetes param, vacilam e caem. São os de Viterico e Liúba, os mais moços dos onze guerreiros. Sem transição, sem esperança, o espectro da morte se lhes ergue diante dos olhos fatal, incontrastável. «Oh minha mãe, vem receber teu filho!» foram as únicas palavras que proferiu Viterico. Era às recordações maternas e à saudade que esse último grito de um moribundo cheio de vida se dirigia. Liúba também murmurou um nome; mas só ele e Deus o ouviram. Era o da sua amante, violada e morta na tomada de Emérita. No transe final, aquela alma pura não revelara aos homens o mistério do amor, da desesperação e do sepulcro. Órfão no mundo, separado daquela em quem empregara o afecto de um coração virgem e que tão tristemente perdera, Liúba, solitário sobre as ruínas da Espanha e sobre as ruínas da própria existência, era o primeiro em se arrojar aos perigos; e nessa noite, enfim, chegava para o desgraçado a hora apetecida do repousar eterno.
Debalde os almogaures dianteiros tentaram suster a corrida, para colher às mãos os dois godos derribados.