— As vossas palavras eram quase ininteligíveis — respondeu Pelágio. — «Perdida para sempre; para sempre!» Eis o que repetíeis muitas vezes; e depois: «Não resta uma esperança!... Oh, tão formosa e gentil!... Homem infame, que tinhas em mais o ouro que a virtude e a glória, maldito sejas tu!» E então os dentes vos rangiam, e, entreabrindo os olhos, o vosso aspecto era terrível! Pensáveis, por certo, na Espanha, na formosa terra dos Godos, e a indignação vos arrancava maldições contra Opas e contra os que venderam pelo ouro dos árabes as aras de Cristo e a liberdade de seus irmãos. Enganaram-vos, porém, os sonhos, cavaleiro! A esperança resta ainda, e a Espanha não se perdeu para sempre! Vós mesmo agora o dissestes. Abundante cevo de cadáveres humanos vão ter os abutres e os javalis das montanhas.
— Tendes razão! — replicou o guerreiro, deixando-se cair de novo sobre o escabelo e voltando à postura anterior. — Os meus lábios mentiram ao coração, se disseram que para a Espanha não havia esperança. Mas a mentir não tornarão eles, porque estes olhos só hão-de cerrar-se, já agora, em sono bem profundo, no qual não haja sonhar! Depois dos combates é que se dorme bem placidamente! É então que eu dormirei.
Era sinistro e lúgubre e, todavia, tranquilo o modo com que ele o dizia. Pelágio, preocupado pelas novas que o centenário trouxera, não reparou no sorriso doloroso que enrugava as faces de Eurico e, voltando-se para Velido, prosseguiu:
— Oh! Abdulaziz busca a última guarida dos cristãos, os últimos aripenes de terra livre da Espanha: persegue-nos como a bestas- feras?... Pois bem! Vai, e dize aos nossos cavaleiros que antes de romper a manhã estejam a cavalo com a lança em punho prontos a marcharem para a entrada do vale. Os fundeiros e mais bucelários de pé que se preparem para subir aos píncaros sobranceiros por ambos os lados do arraial. Dize-lhes, também, a uns e a outros, que sem demora eu serei com eles.