Desde que um amor desditoso o fizera alevantar uma barreira entre si e o ruído do mundo; desde que se votara às solenes tristezas da soledade e a derramar benefícios e consolações sobre a cabeça dos miseráveis e humildes; pela alta noite do seu viver muitas vezes fulgurara uma luz de alegria, como esses astros que brilham a espaços nos abismos do firmamento. Lá, ao menos, havia instantes em que se esquecia do seu destino. Mas, depois que o frenesi das batalhas o arrastara; depois que trocara as harmonias das tempestades do Calpe e o rugido das vagas do Estreito pelo gemer de moribundos nos combates e pelo retinir dos golpes, nunca mais descera um raio de cima a alumiar-lhe o espírito. O seu presente e o seu porvir eram, como esse vale, um precipício sem fundo, indelineável, tenebroso, maldito.
E pelo céu tão plácido e melancólico; pelo céu, que ele às vezes se punha a contemplar às horas mortas no pobre presbitério de Carteia ou assentado em algum promontório, a sua imaginação voou até os desvios do Sul, e as lágrimas de saudade começaram a rolar-lhe mansamente pelas faces. O desventurado tinha saudades das tristezas do ermo, porque já não podia ter desejos dos contentamentos humanos.
Engolfado naquelas cogitações dolorosas, o guerreiro conservou- se por algum tempo imóvel e com os olhos cravados nos astros cintilantes, que pareciam sorrir-lhe e chamá-lo para o seio imenso do Senhor. As lágrimas correram-lhe então mais abundantes, e o coração parecia dilatar-se-lhe com o pensamento da morte. Insensivelmente ajoelhou e estendeu as mãos para o firmamento: os seus lábios murmuravam com cicio quase imperceptível. Era a oração de alma, férvida, procelosa, que os agitava; era essa oração que todos nós sabemos no momento de suprema agonia e que nenhumas palavras, nenhuma escritura poderiam representar: oração que é um mistério entre Deus e o homem e que nem os anjos compreendem: gemido enérgico de todas as misérias terrenas, cuja intensidade só a Providência, que as acumula ou dissipa, sabe pesar nas balanças da justiça e da piedade divinas.