O moço duque de Cantábria vela, porém. Assentado em um escabelo junto do lar aceso, com a face encostada ao punho, deixa balouçar a sua alma em tempestade de dolorosos pensamentos, lembrando-se de Hermengarda. Por mais de uma hora, Pelágio se conservara nesta situação, quando, ao voltar a cabeça, viu que mais alguém velava, como ele. O cavaleiro que ao chegarem chamara por Gutislo, em pé por detrás do escabelo, com os braços cruzados e os olhos fitos na chama, parecia meditar profundamente. No seu aspecto havia o que quer que fosse tenebroso e sinistro.
— Como assim! — exclamou o mancebo. — Ainda não buscastes o repouso? Depois de tão larga correria, não imaginava achar-vos ao pé de mim, que velo porque a amargura não consente que o sono me cerre as pálpebras. Tendes, acaso, uma irmã querida, uma esposa que muito ameis, por quem devais tremer, e que, talvez, neste momento seja vítima das paixões desenfreadas dos infiéis?
— Não tenho ninguém no mundo — respondeu o cavaleiro, cujo aspecto se carregou ainda mais ao ouvir estas últimas palavras —; mas não pode aquele cujo coração é ermo desses afectos ser também infeliz?
— Infelizes são todos os moradores de Covadonga — acudiu Pelágio —, mas o que à desventura comum ajunta receios bem fundados pela honra ou, ao menos, pela vida daqueles que muito amou é mil vezes mais desventurado.
— Duque de Cantábria, quando tiverdes medida por onde aferir ao certo o meu e o vosso coração podereis falar assim.
— Tê-la-ia, talvez, se conhecesse a história da vossa vida: mas vós a cobris de impenetrável mistério.