— Velho lobo do Hermínio, aproxima-te — disse Pelágio em tom de gracejo, como que tentando afastar as tristes ideias que lhe oprimiam o espírito. — Que buscas a tais desoras? Tiveste, acaso, em sonhos saudades das barrocas das tuas serras nevadas, e creste que Covadonga era o antro de teu irmão, o javali?
— O caçador das montanhas — replicou o lusitano, na sua linguagem pinturesca de bárbaro — não estaria aqui, se a saudade dos lugares em que nasceu lhe morasse no coração. Os homens de além do mar mataram-lhe ou cativaram-lhe mulher e filhos quando estes, por seu mal, num dia em que ele perseguia nos cimos da serra os lobos ferozes, ousaram descer com o rebanho aos vales do Munda. Por isso te segui eu, oh godo: tu derramas o sangue dos homens de além do mar e eu quero derramá-lo também.
— A que vens, pois, aqui? — replicou Pelágio, a quem as palavras do celta traziam de novo ao espírito a lembrança de que também ele era, talvez, órfão de irmã querida.
— A dizer-te que um desconhecido chegou ao vale. Repete não sei que nome godo, como o teu; de Hermengarda, me parece. Pede para te falar.
— Onde está ele? — exclamou Pelágio, em cujos olhos brilhara a esperança misturada de temor. — Que venha! oh, que venha breve! E, alevantando-se, encaminhou-se ligeiro para a entrada da gruta, donde Gutislo outra vez desaparecera. Antes, porém, que aí chegasse, um velho, cujos trajos desordenados, rotos e cobertos de lodo davam indícios de ter atravessado largo espaço das serranias, entrou na caverna e, arrojando-se aos pés do duque de Cantábria, rompeu em soluços, sem poder proferir palavra.