Para o da frente, as mordeduras nada eram à vista dos golpes com as garras, que uma e outra vez lhe deixavam a espinha de pele inteiramente desprovida.
«Aquela alma que sofre a maior pena», disse o meu mestre, «é Judas Iscariotes, que tem a cabeça dentro e fora agita as pernas. Das outras duas que de cabeça para baixo estão, a que do rosto negro pende é Bruto, que verás como se torce e nada diz, e a outra é Cássio, que parece tão membrudo. Mas aproxima-se a noite e é hora de partir, pois tudo vimos já.»
Conforme seu desejo, abracei-me ao pescoço do mestre e ele escolheu o tempo e lugar oportunos e, quando as asas abanaram o bastante, agarrou-se aos flancos peludos e, de mecha em mecha, desceu seguidamente entre o pelame espesso e a crosta gelada. Quando chegámos aonde a coxa se dobra no grosso da anca, o meu guia, com fadiga e com angústia, voltou a cabeça para onde tinha ele as pernas e ao pêlo se agarrou como quem sobe, de modo que julguei de novo ao Inferno regressarmos.
«Segura-te bem, que por esta escadas, disse o mestre, arfando como homem cansado, «de tanto mal devemos afastar-nos.» Depois saiu pelo buraco de um rochedo, sentou-me sobre a borda e junto a mim colocou seus destros pés. Ergui os olhos, julgando que veria Lúcifer como o deixara, mas vi-o com as pernas para cima. Se então fiquei assombrado, que o pensem as pessoas ignorantes, que não vêem qual o ponto por onde eu passara.
«Ergue-te», disse o mestre, «de pé, que é longa a jornada e o caminho difícil, e o Sol volta já à meia terça.» Não era sala de palácio o lugar onde estávamos, mas sim caverna natural, com piso mau e escassa luz. «Antes que eu saia do abismo, meu mestre», disse eu, quando me pus de pé, «fala um pouco comigo para dissipar a dúvida que tenho. Onde está o gelo? E aquele, como está de cabeça para baixo? E como, em tão pouco tempo, fez o Sol o trajecto da noite até à manhã?» E ele tornou: «Crês ainda estar do outro lado do centro, onde eu me agarrei ao pêlo do verme ruim que trespassa o mundo.
