Falou então o meu guia com uma força que até ai nunca lhe ouvira: «Ó Capaneu! Que a tua soberba se não dobre é o teu maior castigo: nenhum martírio a não ser a tua raiva melhor poderia punir o teu furor.» Depois voltou-se para mim, adoçando-se-lhe o rosto e dizendo: «Este foi um dos sete reis que Tebas sitiaram; desdenhou e parece desdenhar ainda Deus, ao qual se afigura prezar pouco. Porém, como lhe disse, o seu furor tem no próprio seio a justa paga. Segue-me agora e atenta em não pisares a areia escaldante, mantendo-te sempre junto ao bosque.»
Em silêncio chegamos ao lugar onde surde da selva um pequeno riacho cuja cor rubra faz ainda agora que eu estremeça. Como do Bulicame dimana o riacho que entre si repartem as pecadoras, assim ao longo da areia este corria. O seu fundo e ambas as vertentes eram pedra, assim como uma e outra margem, pelo que entendi que ali o deveríamos cruzar. «Entre tudo o resto que te mostrei eu desde que entramos pela porta cujo umbral a ninguém é negado, não viram os teus olhos coisa mais notável que este rio, no qual todas as chamas se extinguem.» Estas palavras da boca do meu guia fizeram-me rogar-lhe que mais satisfizesse o desejo que assim me despertara.
«No meio do mar há uma terra devastada», disse ele então, «que se chama Creta, sob cujo rei o mundo conheceu já a paz. Existe ali um monte que de agua e florestas foi já rico e Ida se chamou, hoje deserto como coisa gasta. Para seguro berço de seu filho o escolheu Rea e, para ocultar melhor o choro da criança, fazia que fortes ruídos se ouvissem. Dentro do monte se ergue um grande ancião que as costas tem voltadas para Damiata e contempla Roma como se seu espelho fosse. Tem a cabeça de ouro fino e os braços e o peito de prata de lei. Até às virilhas é de cobre e daí para baixo todo de ferro do melhor, salvo o pé direito, de barro cozido, sobre o qual se apoia mais do que no outro.