Ao que o outro replicou: «Não o tinhas tão pronto quando à fogueira foste; ligeiro o tinhas, sim, e mais ainda, ao cunhar moeda.» E o hidrópico: «Tens razão no que dizes, mas não foi tão honesto o teu testemunho quando em Tróia a verdade te foi solicitada.» «Se eu testemunhei falso, tu falsificaste o cunho», disse Sínon, «e, se aqui por um pecado estou, tu estás por mais do que qualquer Demónio.» «Recorda-te, perjuro, do cavalo», respondeu o que tinha a tripa inchada, «e que te sirva de castigo, pois todo o mundo o sabe!» «Pois que te sirva de castigo a ti a sede que a língua te greta», retrucou o grego, «e a pútrida água que o ventre assim te faz barreira à vista.» Disse então o moedeiro falso: «Da mesma maneira se abre a tua boca para teu mal, como costuma; que, se eu tenho sede e o humor me torna inchado, tu sentes ardor e a cabeça te dói e para lamber o espelho de Narcisos não te farias rogar muito.»
Estava eu absorto a escutá-los, quando o meu mestre disse: «Continua a olhar, que bem pouco falta para que me zangue!» Ao ouvi-lo falar-me agastado, voltei-me para ele com tal vergonha que da memória ainda se me não varreu. Como aquele que com sua desgraça sonha e, sonhando, deseja que apenas sonho seja, de tal forma que deseja o que é como se não fosse, assim me senti eu, não podendo falar, que desejava desculpar-me, e desculpava-me em verdade, embora julgasse não fazê-lo. «Maior erro se lava com menor vergonha», disse o mestre, «do que o teu; por isso, liberta-te de toda a tristeza. E lembra-te de que eu estou sempre a teu lado, se outra vez suceder que a sorte te conduza onde haja gente imersa em disputas semelhantes, pois o desejo de ouvir tal é bem baixo desejo.»