Mas pelo teu aspeto geral... apenas porque és jovem, fresca e sadia, compreendes ... pensei que provavelmente...
- Pensaste que eu fosse boa militante. Pura de palavras e atos. Faixas, passeatas, palavras de ordem, jogos, piqueniques comunais... toda a tralha. E achaste que se eu tivesse uma pequena oportunidade havia de te denunciar como ideocriminoso e levar-te à morte?
- Sim, algo parecido. Há muitas raparigas assim, sabes, não é?
- É esta porcaria que dá essa impressão - disse ela, arrancando a faixa escarlate da Liga Juvenil Anti-Sexo e atirando-a a uma ramagem.
Daí, como se o gesto lhe recordasse algo, apalpou o bolso do macacão e tirou uma barra de chocolate. Quebrou-a pela metade e deu um dos pedaços a Winston. Antes mesmo de pegá-lo ele sentiu, pelo cheiro, que se tratava de chocolate fora do comum. Era escuro e brilhante, e envolto em papel prateado. Em geral o chocolate era pardo-fosco, quebradiço, com gosto de fumaça de lixo. Ele porém já havia provado chocolate daqueles. O Perfume adocicado despertara-lhe recordações que não podia precisar, mas que eram poderosas e perturbadoras.
- Onde arranjaste isto?
- No mercado negro - ela respondeu, indiferente. -Na verdade, externamente eu sou assim. Destaco-me nos jogos. Fui chefe de tropa nos Espiões, faço trabalho voluntário três noites por semana na Liga Juvenil Antí-Sexo. Passei horas e horas grudando sandices pelas paredes de Londres. Sempre levo uma ponta de faixa nas passeatas. Estou sempre de cara alegre e nunca tiro o corpo de nada. Grita sempre com a massa, digo eu. É a única forma de não correr perigo.
O primeiro fragmento de chocolate derretera-se na língua de Winston. Delicioso!
Mas ainda revoluteava pela periferia da sua consciência aquela recordação, algo que podia sentir mas não reduzir a uma forma definida, como um objeto visto com o rabo do olho.