Ele observou que Júlia nunca usava palavras de Novilíngua, nem mesmo as que haviam passado à linguagem corrente. Nem nunca ouvira falar da Fraternidade, recusando-se mesmo a acreditar na sua existência. Considerava estúpida qualquer revolta organizada contra o Partido; fadada ao insucesso, dizia. O inteligente era desrespeitar a lei e continuar vivendo. Winston indagou de si mesmo, vagamente, quantos outros, como Júlia, devia haver na nova geração - jovens crescidos no mundo da Revolução, não sabendo nada mais, achando o Partido algo inalterável, como o céu, não se rebelando contra sua autoridade, mas simplesmente fugindo a ela, como um coelho evita o cão.
Não discutiram a possibilidade de casamento. Era demasiado longínqua para merecer consideração. Nenhum comité imaginável sancionaria tais núpcias, mesmo que Winston pudesse se livrar de Katherine. Nem como sonho de olhos abertos oferecia esperança.
- Que tal era tua mulher? - indagou Júlia.
-Era... conheces a palavra de Novilíngua benpensante? Isto é, naturalmente ortodoxa, incapaz de um mau pensamento?
- Não, não conheço a palavra, mas conheço o tipo, isso conheço.
Ele pôs-se a contar-lhe a história de sua vida conjugal, mas o curioso é que ela já parecia conhecer as partes essenciais. Descreveu a Winston, quase como se o tivesse visto ou sentido, o enrijamento do corpo de Katherine assim que ele a tocava, a maneira por que parecia ainda repeli-lo com toda força, mesmo quando nele se enroscava com braços e pernas. Com Júlia ele não achava difícil falar de tais coisas: afinal, Katherine deixara de ser uma lembrança dolorosa para ser apenas desagradável.
- Eu aguentaria se não fosse uma coisa - disse ele.