A truque semelhante tinham submetido o instinto da paternidade. Como não era possível abolir a família (ao contrário, os pais eram incitados a gostar dos filhos quase à moda antiga) as crianças eram sistematicamente atiradas contra os pais, e ensinadas a espioná-los e a denunciar os seus desvios. Dessa forma a família se tornara uma extensão da Polícia do Pensamento. Era um meio pelo qual todo mundo podia ser cercado, noite ou dia, por delatores que o conheciam intimamente.
De repente, o pensamento de Winston voltou a Katherine. Sem dúvida, ela o denunciaria à Polícia do Pensamento se não fosse tão estúpida que percebesse a heresia dos pensamentos. Mas o que na verdade a recordou foi o calor sufocante da tarde, que lhe cobria a testa de bagas de suor. Começou a contar a Júlia algo que acontecera, ou antes, que deixara de acontecer, numa tarde muito quente, onze anos atrás.
Havia apenas três ou quatro meses que haviam casado. Tinham-se perdido num passeio comunal, em Kent. Haviam-se afastado dos outros apenas uns minutos, mas tomado um caminho errado, e por fim se achado na beira de uma velha mina de calcário. Era uma queda vertical de dez ou vinte metros, com grandes rochas ao fundo. Não havia ninguém a quem perguntar a direção certa. Assim que descobriram estar perdidos, Katherine começou a ficar nervosa. Afastar-se do bando barulhento, por uns minutos que fosse, dava-lhe a impressão de estar agindo mal. Queria correr de volta pelo caminho e procurar na outra direção. Mas nesse momento Winston notou uns tufos de prímulas crescendo nas gretas do penedo. Um tufo era de duas cores, maravilha e tijolo, aparentemente crescendo na mesma raiz. Nunca vira nada parecido, e chamou Katherine.