De certo modo percebia estar condenada, e que mais cedo ou mais tarde a Polícia do Pensamento a apanharia e mataria, mas com outra parte do cérebro acreditava ser possível construir um mundo secreto onde podia viver como quisesse. Tudo que precisava era sorte, esperteza e audácia. Não compreendia que não existia felicidade, que a única vitória estava no futuro distante, muito depois da morte, e que desde o momento de declarar guerra ao Partido era melhor considerar-se cadáver.
- Estamos mortos - disse ele.
- Não estamos mortos ainda - contestou Júlia, prosaicamente.
- Fisicamente, não. Seis meses, um ano... cinco anos concebivelmente. Tenho medo da morte. És jovem, de modo que presumo que tens mais medo que eu. Naturalmente, procuraremos evitá-la. Mas isso não faz muita diferença. Enquanto os humanos permanecerem humanos, a vida e a morte são a mesma coisa.
- Tolice! Com quem preferes dormir, comigo ou com um esqueleto? Não gostas de estar vivo? Não aprecias a sensação de dizer: este sou eu, esta é minha mão, minha perna, sou real, sou sólido, sou vivo! Não gostas disto?
Ela voltou-se e apertou os seios contra o corpo dele. Winston pôde sentir-lhe os peitos, maduros e firmes, sob o macacão. O corpo dela parecia transmitir ao seu um pouco de juventude e vigor.
- Gosto, sim.
- Então para de falar de morte. E agora ouve, temos de combinar novo encontro. Já podemos voltar à clareira do bosque. Demos-lhe uma boa folga. Mas desta vez deves ir por caminho diferente. Já pensei em tudo. Apanhas o comboio... mas olha, já te desenho um mapa.
E com seus modos práticos ela marcou um retângulo de pó e, tirando um pau do ninho de um pombo, pôs-se a riscar uma planta no chão.