1984 - Cap. 12: Capítulo XII Pág. 148 / 309

Não era possível que tivesse havido uma era em que tais coisas fossem comuns. Júlia acordou, esfregou os olhos e ergueu-se num cotovelo, para olhar o fogareiro.

- Metade da água evaporou -disse ela. Daqui a um minuto levanto e faço café. Ainda temos uma hora. A que horas cortam a luz no teu prédio?

- Às vinte e três e trinta.

- Na minha hospedaria às vinte e três. Mas precisas chegar mais cedo porque... Ei! Vai-te embora, bicho imundo!

Ela de repente enredou-se na cama, apanhou um sapato do chão e atirou-o com força a um canto, com um gesto vigoroso, juvenil, como ele a vira fazer, jogando o dicionário em Goldstein, aquela manhã, durante os Dois Minutos de ódio.

- Que foi?

- Um rato. Mostrou o focinho ali naquele buraco do rodapé. Estás a ver o buraco? Preguei-lhe um bom susto.

- Ratos! - murmurou Winston. - Neste quarto!

- Andam por toda parte - disse Júlia, indiferente, tornando a deitar-se. - Vivem até na cozinha da pensão. Alguns bairros de Londres pululam de ratos. Sabias que atacam criancinhas? Pois é, atacam. Em algumas dessas ruas, uma mulher não tem coragem de deixar um filho sozinho dois minutos. São os grandões, pardos, os piores. E o mais horrível é que -os brutos...

- Chega! - implorou Winston, cerrando os olhos.

- Querido! Estás tão pálido? Que aconteceu? Tens nojo de ratos?

- De todos os horrores do mundo... um rato!

Ela apertou-se contra ele e enrolou as pernas e os braços nele, como se para tranquilizá-lo com o calor de seu corpo. Ele não reabriu os olhos imediatamente. Por alguns momentos tivera a sensação de voltar a um pesadelo que se repetia ciclicamente na sua vida. Era sempre a mesma coisa. Estava parado diante duma muralha de trevas, e do outro lado da muralha havia algo insuportável, algo demasiado horrível para se fazer face.





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