melhor das circunstâncias agoniadas da época: os pânicos periódicos dos ataques aéreos, a corrida às estações do trem subterrâneo, as pilhas de escombros por toda parte, as proclamações ininteligíveis pregadas nas esquinas, os bandos de rapazes todos de camisa da mesma cor, as filas enormes diante das padarias, o metralhar intermitente na distância - e acima de tudo, o fato de nunca haver o bastante para comer. Lembrava-se de longas tardes passadas com outros meninos remexendo em latas de lixo e montes de refugo, catando os talos de folhas de repolho, cascas de batatas, às vezes até pedaços de côdea de pão velho que limpavam cuidadosamente das cinzas. E também da espera da passagem de caminhões que faziam determinado itinerário, carregando comida para o gado e que, sacolejando nos trechos de mau calçamento, às vezes derrubavam fragmentos de torta de algodão.
Quando o pai desapareceu, sua mãe não demonstrou nenhuma surpresa ou mágoa violenta, porém uma repentina mudança a acometeu. Parecia ter perdido a fibra. Era evidente, até para Winston, que ela esperava algo que deveria acontecer. Fazia todo o necessário - cozinhava, lavava, remendava, fazia a cama, varria, espanava - sempre muito devagar e com uma curiosa economia de gestos supérfluos, como uma figura criada por um artista e que se movesse por si mesma. O corpo grande e bem proporcionado pareceu cair num marasmo natural. Durante horas a fio ficava sentada quase imóvel na cama, cuidando da filhinha, uma criança miúda, enfermiça, muito calada, de dois ou três anos, e a quem a magreza dera feições de símio. De raro em raro, tomava Winston nos braços e apertava-o contra o seio longo tempo, sem dizer nada. E ele percebia, apesar da pouca idade e do seu egoísmo, que esta atitude era ligada a uma coisa imencionável que não tardaria a ocorrer.