As páginas estavam gastas nas margens, e se destacavam com facilidade, como se o livro tivesse passado por muitas mãos. No frontispício havia o título:
TEORIA E PRÁTICA DO COLETIVISMO OLIGARQUICO
por Emmanuel Goldstein
Winston pôs-se a ler:
Capítulo I
Ignorância é Força
Desde que se começou a escrever a história, e provavelmente desde o fim do Período Neolítico, tem havido três classes no mundo, Alta, Média e Baixa. Têm-se subdividido de muitas maneiras, receberam inúmeros nomes diferentes, e sua relação quantitativa, assim como sua atitude em relação às outras, variaram segundo as épocas; mas nunca se alterou a estrutura essencial da sociedade. Mesmo depois de enormes comoções e transformações aparentemente irrevogáveis, o mesmo diagrama sempre se restabeleceu, da mesma forma que um giroscópio em movimento sempre volta ao equilíbrio, por mais que seja empurrado deste ou daquele lado.
Os objetivos desses três grupos são inteiramente irreconciliáveis...
Winston parou de ler, principalmente com o fito de apreciar o fato de estar lendo, em conforto e segurança. Estava só: nem teletela, nem orelha no buraco da fechadura, nem impulso nervoso de espiar por cima do ombro ou de tapar a página com a mão. O ar doce do verão soprava-lhe na face. De algum lugar distante vinham amortecidos gritos de crianças: no quarto não havia ruido além da voz de inseto do relógio. Ele afundou mais ainda na poltrona e pousou os pés na guarda da lareira. Era a felicidade, a eternidade. De repente, como às vezes fazemos com um livro que temos a certeza de ler e reler, palavra por palavra, abriu-o numa página diferente e encontrou-se no Capítulo III.