O entesouramento secreto da sabedoria... a propagação gradual do esclarecimento... por fim uma rebelião proletária... a derribada do Partido. Tu mesmo previste o que ele diria. É tudo tolice. Os proletários nunca se revoltarão, em mil anos, ou num milhão de anos., Não podem. Não preciso dizer-te a razão: já a conheces. Se algum dia acariciaste sonhos de insurreição violenta, deves abandoná-los. Não há maneira de se deitar o Partido abaixo. O domínio do Partido é eterno. Isso deve ser o ponto de partida dos teus pensamentos.
Aproximou-se mais da cama.
- Eterno! - repetiu. - E agora, voltemos à questão do como e do porquê. Compreendes bem como o Partido se mantém no poder. Agora, diz-me, porque nos agarramos ao poder. Qual é o nosso motivo? Porque devemos querer o poder? Vamos, fala - acrescentou, vendo que Winston calava.
Não obstante, Winston continuou calado por mais alguns instantes. Dominara-o uma profunda sensação de cansaço. Voltara ao rosto de O'Brien o débil e dorido lampejo de entusiasmo. Ele sabia de antemão o que diria O’Brien. Que o Partido não buscava o poder em seu próprio benefício, mas pelo bem da maioria. Que procurava o poder porque os homens da massa eram criaturas débeis e covardes que não podiam suportar a liberdade nem enfrentar a verdade, e que deviam ser dominados e sistematicamente defraudados por outros, mais fortes que eles. Que para o género humano a alternativa era liberdade ou felicidade e que, para a grande maioria, era preferível a felicidade. Que o Partido era o eterno guardião dos fracos, uma seita dedicada fazendo o mal para que o bem pudesse reinar, sacrificando sua própria felicidade à felicidade alheia. O terrível, raciocinou Winston, o terrível era que, dizendo isso, O'Brien estaria sendo sincero.