Foste escoiceado, chibateado e insultado, gritaste de dor, rolaste no chão, melando-te no teu sangue e teu vômito. Choramingaste pedindo misericórdia, traíste todo mundo e tudo. Podes imaginar alguma degradação que não te haja acontecido?
Winston parara de chorar, embora as lágrimas ainda brotassem nos seus olhos. Ergueu a vista para O'Brien.
- Não traí Júlia.
O'Brien fitou-o contemplativo.
- Não - concordou. - Não. É verdade. Não traíste Júlia.
Inundou de novo o coração de Winston aquela reverência particular pelo seu torturador, que nada parecia conseguir extirpar. Como era inteligente, pensou ele, como era inteligente! O'Brien nunca deixava de compreender o que se lhe dissesse. Qualquer outro no mundo responderia prontamente que ele traíra Júlia. Pois havia algo que não lhe houvessem arrancado na tortura? Contara-lhes tudo que sabia a respeito da moça, seus hábitos, seu caráter, sua vida passada; confessara até os detalhes mais insignificantes, tudo quanto acontecera nos seus encontros, tudo que lhe havia dito e tudo quanto ela lhe dissera; seus víveres do mercado negro, seus adultérios, suas vagas conspiratas contra o Partido... tudo. E no entanto, no sentido a que se referia, não a havia traído. Não deixara de amá-la; seus sentimentos em relação a ela continuavam na mesma. O'Brien percebera o significado de suas palavras sem precisar explicar.
- Diz-me - perguntou - quando me matarão?
- Ainda pode demorar muito - respondeu O'Brien. - És um caso difícil. Mas não desesperes. Mais cedo ou mais tarde todos se curam. E por fim te eliminaremos com um tiro.