Fixado na frente havia um objeto que parecia uma máscara de esgrima, com o lado côncavo para fora. Embora estivesse a três ou quatro metros de distância, Winston pôde ver que a gaiola era dividida longitudinalmente em dois compartimentos, e que em cada um havia um animal. Eram ratazanas.
- No teu caso - disse O'Brien - a pior coisa do mundo são ratos.
Uma espécie de tremor de premonição, um medo de que não tinha certeza, passara por Winston assim que entrevira a gaiola. Mas naquele momento, a utilidade do objeto côncavo de repente se esclareceu. Suas entranhas pareceram liquefazer-se.
- Não podes fazer isso! - exclamou num tom de falsete. Não podes, não podes! É impossível.
- Lembras-te - perguntou OBrien - dos momentos de pânico que ocorriam nos teus sonhos? Havia uma muralha de treva na tua frente, um ronco nos teus ouvidos. Havia algo terrível do outro lado da parede. Sabias que sabias o que era, mas não ousavas trazê-lo à luz. Eram ratos que estavam do outro lado da muralha.
- O'Brien! - disse Winston, fazendo um esforço para controlar a voz. - Sabes que isto não é necessário. Que queres que eu faça?
O'Brien não deu resposta. Quando falou, foi com os modos de mestre-escola que às vezes ostentava. Pareceu pensativo, olhos perdidos na distância, como se se dirigisse a uma plateia colocada atrás de Winston.
- Em si - disse ele - a dor nunca é suficiente. Há ocasiões em que o ser humano resiste à dor, mesmo sob risco de morte. Mas para todos há algo insuportável, algo que não pode ser contemplado. A coragem e a covardia nada têm a ver com isso. Se estás a cair dum lugar alto, não é covardia agarrar-te a uma corda. Se vens de águas profundas, não é covardia encher os pulmões de ar.