1984 - Cap. 3: Capítulo III Pág. 34 / 309

Naquele momento, por exemplo, em 1984 (se é que era 1984), a Oceania estava em guerra com a Eurásia e era aliada da Lestásia. Em nenhuma manifestação pública ou particular se admitia jamais que as três potências se tivessem agrupado diferentemente. Na verdade, como Winston se recordava muito bem, fazia apenas quatro anos a Oceania estivera em guerra com a Lestásia e em aliança com a Eurásia. Isso, porém, não passava de um naco de conhecimento furtivo, que ele possuía porque a sua memória não era satisfatoriamente controlada. Oficialmente, a mudança de aliados jamais tivera lugar. A Oceania estava em guerra com a Eurásia: portanto, a Oceania sempre estivera em guerra com a Eurásia. O inimigo do momento representava sempre o mal absoluto, daí decorrendo a impossibilidade de qualquer acordo passado ou futuro com ele.

O espantoso, refletiu pela décima milésima vez, ao forçar os ombros dolorosamente para trás (mãos nas cadeiras, fazia girar o corpo pela cintura, exercício que se acreditava fazer bem aos músculos dorsais) - o espantoso é que pode mesmo ser verdade. Se o Partido tem o poder de agarrar o passado e dizer que este ou aquele acontecimento nunca se verificou - não é mais aterrorizante do que a simples tortura e a morte?

O Partido dizia que a Oceania jamais fora aliada da Eurásia. Ele, Winston Smith, sabia que a Oceania fora aliada da Eurásia não havia senão quatro anos. Onde, porém, existia esse conhecimento? Apenas em sua consciência, o que em todo caso devia ser logo aniquilada. E se todos os outros aceitassem a mentira imposta pelo Partido - se todos os anais dissessem a mesma coisa - então a mentira se transformava em história, em verdade. "Quem controla o passado," dizia o lema do Partido, "controla o futuro: quem controla o presente controla o passado.





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