Por que, como estabelecer até mesmo o fato mais patente, se não havia dele registro, além do da memória? Tentou recordar-se do ano em que ouvira pela primeira vez falar do Grande Irmão. Achou que deveria ter sido na década de 1960 a 70, mas era impossível ter certeza. Nas histórias do Partido, o Grande Irmão naturalmente figurava como chefe e guardião da Revolução, desde o princípio. Suas elucubrações tinham aos poucos recuado no tempo até atingir o mundo fabuloso de 1930 a 50, época em que os capitalistas, com estranhos chapéus cilíndricos, ainda rodavam pelas ruas de Londres em grandes e brilhantes automóveis ou carruagens com janelas de vidro. Não era Possível saber até onde essa lenda era verdade e até onde era invenção. Winston não podia lembrar-se nem da data em que o Partido viera à luz. Não acreditava ter ouvido a palavra Ingsoc antes de 1960, mas era provável que na sua forma antiga, em Antilíngua - "Socialismo inglês" - fosse corrente antes daquele ano. Tudo se fundia na névoa. As vezes, porém, podia colocar o dedo numa mentira definida. Não era verdade, por exemplo, como afirmavam os livros de história do Partido, que o Partido tivesse inventado o aeroplano. Lembrava-se de aviões desde a mais tenra idade. Mas não podia provar nada. Nunca havia prova. Apenas uma vez, em toda sua vida, tinha tido em mãos prova documental inconfundível da falsificação de um fato histórico. E naquela ocasião...
- Smith! - gritou da teletela a voz da megera. - 6079 Smith W! Tu, tu mesmo! Inclina-te mais, por favor. Podes fazer mais que isso. Não, não te estás a esforçar. Mais baixo! Assim está melhor, camarada. Agora, todo a gente, descansar! Olhai para mim.
Um calor quente e súbito dominou todo o corpo de Winston.