1984 - Cap. 4: Capítulo IV Pág. 42 / 309

A produção real, dizia-se, fora de sessenta e dois milhões. Todavia Winston, ao reescrever a previsão, reduzira a cifra a apenas cinquenta e sete milhões, de modo a poder protestar, como de hábito, que a cota fora superada. Em qualquer caso, os sessenta e dois milhões estavam tão perto da verdade quanto cinquenta e sete, ou cento e quarenta e cinco. Com toda probabilidade, não haviam fabricado botina alguma. Ou, mais certo ainda, ninguém tinha a menor ideia de quantos calçados tinham sido produzidos; nem ninguém se importava. Tudo o que se sabia é que, cada trimestre, quantidades astronômicas de botinas eram produzidas no papel, ao passo que talvez metade da população da Oceania andava descalça. E assim era com todos os factos registrados, pequenos ou grandes. Tudo se fundia e confundia num mundo de sombras no qual, por fim, até a data do ano se tornara incerta.

Winston olhou para o outro lado do corredor. Num cubículo correspondente ao seu, um homenzinho de queixo escuro e cara de precisionista, trabalhava com afinco, um jornal dobrado sobre os joelhos e a boca bem junto ao tubo do falascreve. Chamava-se Tillotson, e parecia querer manter o que dizia em segredo entre ele e a teletela. Levantou os olhos e seus óculos relampaguearam uma centelha hostil na direção de Winston.

Winston mal conhecia Tillotson, e não tinha ideia de qual seria o seu serviço. Os funcionários do Registro hesitavam em falar das suas atividades. No longo corredor sem janelas, com sua dupla fila de cubículos e o interminável roçar de papéis e jornais, e a zoeira das vozes murmurando dentro dos falascreve, havia cerca de uma dúzia de pessoas que Winston não conhecia nem de nome, embora as visse andar apressadas pelo pavimento ou gesticular frenéticas nos Dois Minutos de ódio.





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