1984 - Cap. 4: Capítulo IV Pág. 46 / 309

Os grandes expurgos, envolvendo milhares de pessoas, com julgamentos públicos de traidores e ideocriminosos que confessavam abjetamente os seus crimes, sendo depois executados, eram espetáculos especiais, que não ocorriam senão de dois em dois anos. O mais comum era as pessoas caídas na antipatia do Partido sumirem simplesmente, e nunca mais se ouvir falar delas. Nunca se tinha a mínima ideia do que lhes sucedera. Em alguns casos, era até possível que não tivessem morrido. Sem contar seus pais, Winston conhecia pessoalmente umas trinta pessoas que haviam desaparecido.

Winston arranhou o nariz, de leve, com um grampo de papel. No cubículo do outro lado o Camarada Tillotson ainda se inclinava furtivo sobre o falascreve. Levantou a cabeça por um momento: de novo o lampejo hostil dos óculos. Winston indagou de si próprio se acaso o Camarada Tillotson estava fazendo o mesmo que ele. Era perfeitamente possível. Trabalho tão delicado não devia nunca ser confiado a uma só pessoa; por outro lado, entregá-lo a um comité seria admitir abertamente a falsificação. O mais provável era que umas doze pessoas estivessem trabalhando em versões rivais do que na verdade dissera o Grande Irmão. Mais tarde, algum cérebro privilegiado do Partido Interno escolheria esta ou aquela versão, retocá-la-ia nalguns pontos e daria início aos complicados processos de referência cruzada necessários, e daí a mentira selecionada passaria aos anais permanentes, tornando-se verdade.

Winston não sabia porque Withers se desgraçara. Talvez por incompetência ou corrupção. Talvez o Grande Irmão apenas desejasse se livrar de um subordinado demasiado Popular. Ou quem sabe Withers, ou alguém ligado a ele tivesse sido suspeito de tendências heréticas.





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