- Concordo, mas não o posso evitar.
- Nesse caso, boa noite.
- Boa noite.
Dez minutos mais tarde, Havelston seguia para o sul num táxi, com Hermione, que o aguardava, adormecida ou semiadormecida, numa das monstruosas poltronas diante da lareira da sala.
Adormecia sempre tão prontamente como um animal, e quanto mais dormia mais saudável parecia. Quando ele entrou, ela espreguiçou-se com contorções voluptuosas e ensonadas, num esgar misto de sorriso e bocejo, uma das faces e um braço rosados devido ao clarão do lume. Por fim, dominou os bocejos para o saudar:
- Olá, Philip! Onde estiveste todo este tempo?
Esperava-te há séculos.
- Fui sair com um fulano. Gordon Comstock. Creio que não o conheces. É poeta.
- Poeta? Com quanto te cravou?
- Nada. Não é desses. Na verdade, encara o dinheiro de um modo a todos os títulos insensato. Mas possui talento, à sua maneira.
- Tu e os teus poetas! Acho-te com ar cansado. A que horas jantaste?
- Bem... por acaso, ainda não jantei.
- Não?! Porquê?
- É que... não sei se compreenderás. Foi uma espécie de acidente. Vou contar-te.
Ravelston descreveu a visita de Gordon e, no final, Hermione soltou uma gargalhada divertida, enquanto se acomodava melhor na poltrona.
- És um autêntico pateta, Philip! Prescindiste do jantar só para não melindrar esse imbecil? Tens de comer alguma coisa, imediatamente. O pior é que a tua empregada já foi para casa. Por que não arranjas pessoal permanente? Detesto esta maneira improvisada como vives. Vamos jantar ao Modigliani.
- Mas passa das dez. Já deve estar fechado.
- Qual história! Só fecha às duas da madrugada. Vou telefonar a chamar um táxi. Não posso admitir que passes fome.
No táxi, ela enroscou-se junto dele, ainda meio adormecida, a cabeça pousada no peito. Ravelston pensou nos desempregados de Middlesbrough - sete pessoas num quarto, com vinte e cinco xelins semanais para viver.
Mas o corpo da rapariga exercia pressão no seu e Middlesborough ficava muito longe.