de modo algum comprar isto declarou secamente.
- Não podem? Mas porquê?
- Porque não nos serviriam para nada. Este género de mercadoria não se vende.
- Então, por que me fez tirá-los do saco? - inquiriu a velha, furiosa.
Gordon contornou-a, para evitar o cheiro, e abriu a porta em silêncio. Não merecia a pena discutir.
Entrava constantemente na loja gente daquela espécie. A velha saiu, resmungando, com malevolência na corcova dos ombros, e reuniu-se ao marido. Este deteve-se na beira do passeio para tossir, tão ruidosamente que se ouvia através da porta. Uma porção de flegma, como uma pequena língua branca, emergiu lentamente entre os lábios e foi ejectada para a valeta. Em seguida, as duas idosas criaturas afastaram-se, como escaravelhos nos longos e sebentos agasalhos que ocultavam tudo, excepto os pés.
Gordon acompanhou-os com a vista. Não passavam de subprodutos. Os rejeitados do deus-dinheiro. Por toda Londres, às dezenas de milhares, arrastavam-se animais velhos daquela descrição - rastejando como escaravelhos imundos a caminho da sepultura.
Contemplou a rua despida de atractivos. Naquele momento, afigurava-se-lhe que numa artéria assim, numa cidade como aquela, cada vida vivida devia ser desprovida de significado e intolerável. A sensação de desintegração, de deterioração, endémica na nossa época, acudia-lhe com intensidade e achava-se mesclada com os cartazes publicitários do tapume. Tornou a observar, agora com mais olhos de ver, os rostos sorridentes com mais de um metro de largura. No fundo, havia mais do que mera idiotice, avidez e vulgaridade. O Mesa do Canto arreganhava-lhe os dentes, aparentemente optimista, com um clarão de dentes postiços. Mas que havia por detrás do sorriso? Desolação, vazio, profecias de mau agoiro. Com efeito, para quem sabe ver, atrás da subtil auto-satisfação, da risada sufocada de trivialidade de um estômago bem nutrido, não existe nada além de um medonho vazio, um desespero secreto. O enorme desejo da morte do mundo moderno.