Tudo indicava que este deixara de ser espirituoso. É sempre um erro pedir segunda garrafa. Equivale, mais ou menos, a tomar banho pela segunda vez num dia de Verão. Por muito calor que faça e prazer que o primeiro nos proporcione, acabamos por nos arrepender se mergulhamos segunda vez. A magia do vinho dissipara-se. Parecia produzir menos espuma e bolhas, convertido meramente num líquido insípido que eles absorviam com relutância e a vaga esperança de se embriagarem mais depressa. Gordon achava-se agora irremediável, se bem que secretamente, bêbedo. Metade estava ébria e a outra metade sóbria. Principiava a acudir-lhe a peculiar, porém confusa, sensação de que a fisionomia inchara e os dedos se tinham tornado mais grossos, como acontece na segunda fase da embriaguez. Contudo, a metade sóbria ainda dominava a aparência exterior. A conversa revelava-se cada vez mais fastidiosa. Gordon e Ravelston trocavam frases com o desconfortável desprendimento de quem teve um pequeno desaguisado e se recusa a admiti-lo. Falavam de Shakespeare, e o diálogo arrastava-se numa argumentação sobre o significado de Hamlet. Era de facto assaz fastidioso. Rosemary dissimulou um bocejo. Enquanto a metade sóbria de Gordon perorava, a metade ébria mantinha-se de lado e escutava. Esta última estava muito irritada.
Eles tinham-lhe estragado a noite, demónios os levassem, com as objecções acerca da segunda garrafa! Das seis taças do novo Asti, ele ingerira quatro, pois Rosemary negara-se a beber mais uma gota que fosse. Mas não era possível obter resultados espectaculares, com aquela fraca mistela. A metade ébria reclamava mais bebida. Cerveja às canecas e aos baldes! Impunha-se que a bebedeira fosse total. De qualquer modo, Gordon far-lhe-ia a vontade, mais tarde. Lembrou-se da nota de cinco libras guardada no bolso interior do casaco. Ainda lhe restava isso para gastar, em caso de necessidade.
O relógio musical oculto algures nas entranhas do Modigliani indicou que eram dez horas.
