Ele poderia ter sido feliz naquele lugar, se as pessoas o deixassem sossegado. Era um lugar em que podia ser feliz, de um modo abjecto. Passar os dias em trabalho mecânico incaracterístico, susceptível de ser executado numa espécie de coma; regressar a «casa» e acender a lareira quando havia carvão (cada saco custava seis pence) para aquecer o pequeno sótão; sentar-se diante de uma modesta refeição de bacon, pão com manteiga e chá, aquecido no fogareiro de gás; deitar-se na decrépita cama para ler um romance de aventuras ou resolver as palavras cruzadas do Tit Bits até altas horas.
Tudo isto correspondia ao género de vida que desejava. Todos os seus hábitos se tinham deteriorado rapidamente. Nunca se' barbeava mais de três vezes por semana e só lavava as partes do corpo visíveis. Havia banhos públicos satisfatórios nas cercanias, porém não os visitava mais de uma vez por mês. Abstinha-se de fazer a cama convenientemente, limitando-se a puxar os lençóis para cima, e só lavava os escassos taches e loiça depois de utilizados duas vezes, pelo menos. Via-se uma camada de pó em tudo. No guarda-fogo, havia sempre uma frigideira cheia de gordura e dois ou três pratos com restos de ovos mexidos. Uma noite, os percevejos abandonaram as aberturas no papel da parede e deslizavam pelo tecto em fileiras de dois, enquanto Gordon, deitado na cama, com as mãos sob a nuca, os observava com interesse. Sem pesar, quase intencionalmente, deixava-se mergulhar na lama. No fundo de todas as suas sensações, existia uma espécie de abandono, um je m'en fous perante o mundo. A vida vencera-o, mas ele ainda a podia vencer voltando o rosto para o lado, Era preferível afundar-se a elevar-se. Para o fundo, cada vez mais fundo, em direcção ao reino-fantasma, o mundo das sombras onde a vergonha, o esforço e a decência não existem.
Afundar-se! Como devia ser fácil, por haver tão poucos competidores! No entanto, o mais curioso é que resulta com frequência mais difícil uma pessoa afundar-se do que elevar-se. Subsiste sempre alguma coisa que a puxa para cima. Aliás, nunca está totalmente só - há sempre amigos, amantes, parentes.