Dava a impressão de que toda a gente que ele conhecia lhe escrevia cartas, para o lamentar ou recriminar. A tia Ângela fizera-o, assim como o tio Walter, Rosemary - esta repetidas vezes -, Ravelston e Júlia. Até Flaxman traçara duas linhas para lhe desejar felicidades.
A esposa perdoara-o e ele regressara a Packman, em aspidistral beatitude. Gordon passara a detestar a recepção de correspondência, porque constituía um elo com o outro mundo de que procurava escapar-se.
O próprio Ravelston se voltara contra ele. O facto verificara-se depois de o visitar nas novas instalações. Até ao momento da visita, não se apercebera do género de bairro em que Gordon vivia. Quando o seu táxi se imobilizou na esquina de Waterloo Road, uma horda de rapazes andrajosos e desgrenhados materializou-se repentinamente na sua frente, para lutar em torno do veículo, como peixes pelo isco do anzol. Três pousaram as mãos no puxador da porta e abriram-na. Os rostos subservientes e sujos, alterados pela esperança, enojaram-no. Apressou-se a atirar-lhes algumas moedas e afastou-se sem olhar para trás. Os passeios estreitos achavam-se sulcados de excrementos de cães, o que resultava surpreendente, pois não havia um único animal nas redondezas. Na cave, a mamã Meakin cozia uma posta de bacalhau fresco, cujo cheiro se notava a uma distância pronunciada. No sótão, Ravelston sentou-se na cadeira decrépita, com a curvatura do tecto logo atrás da cabeça. O lume estava apagado e a única luz do quarto provinha de quatro velas, que gotejavam para um pires. Gordon encontrava-se deitado na inóspita cama, completamente vestido, mas sem sapatos. Quase não se movera, quando o editor entrara. Conservava-se estendido de costas, por vezes sorrindo um pouco, como se desfrutasse com lima anedota somente do seu conhecimento e do tecto. O aposento já exalava o odor desagradável da falta de limpeza e de ventilação. Havia louça e tachos sujos dispersos em volta do guarda-fogo.
- Quer uma chávena de chá? - perguntou, sem se mexer.