- Não, obrigado. Não me apetece -, acrescentou Ravelston, com uma prontidão suspeita.
Vislumbrara as chávenas sujas junto do guarda-fogo e o repelente lava-loiça comum no rés-do-chão. Gordon compreendeu perfeitamente o motivo da recusa do chá. A atmosfera geral do que o circundava produzira-lhe uma espécie de choque. A horrível mistura de odores de despejos e do bacalhau, na escada! Ravelston olhou, afundado na execrável cama. E, que diabo, Gordon era um cavalheiro! Noutra altura, teria repudiado semelhante ideia, mas naquele ambiente povoado de percevejos era impossível. Todos os instintos de classe que julgava não possuir ergueram-se em revolta. Afigurava-se-lhe inconcebível pensar que alguém inteligente e culto vivesse num lugar daqueles. Desejava incitar Gordon a abandonar aquilo, reanimar-se, procurar uma ocupação de remuneração decente e viver como um cavalheiro. Mas não o fez, claro. Não se podem dizer coisas daquelas. Entretanto, Gordon apercebia-se do que se passava na mente do outro e sentia-se algo divertido. Não lhe consagrava a mínima gratidão por ter vindo visitá-lo. Por outro lado, não se envergonhava do cenário em que se instalara, ao contrário do que outrora teria acontecido. Havia mesmo uma ponta de malícia na maneira como falava.
- Julga-me um falhado, sem dúvida - observou para o tecto.
- De modo algum. Por que havia de julgar?
- Julga, sim. Considera-me um falhado por viver neste buraco imundo, em vez de procurar um emprego decente. Pensa que devia tentar voltar para a New Albion.
- Que ideia! Nem me passou pela cabeça. Compreendo perfeitamente a sua posição, como lhe disse noutra ocasião. Creio que tem toda a razão, em princípio.
- E acha que os princípios são aceitáveis, desde que não se ponham em prática.
- Nada disso. No entanto, levanta-se sempre a dúvida: quando é que se põem em prática?
- É muito simples. Declarei guerra ao dinheiro, atitude que me conduziu à presente situação.
Ravelston fez deslizar o nó do indicador pelo nariz e moveu-se na cadeira com desconforto.