Onde se encontravam os meus belos sonhos de braços abertos, de um sorriso radiante, de elogios ao homem que arriscara a vida para obedecer ao seu capricho? Ah!, estava agora longe das altas cumeeiras: tinha os dois pés assentes na terra! Talvez boas razões me tivessem projectado mais uma vez nas nuvens... Em suma, corri para o jardim, martelei na porta com os punhos, ouvi a voz de Gladys no interior, dei um encontrão à criada desnorteada e lancei-me para o salão. Ela encontrava-se sentada num tamborete baixo à luz do candeeiro habitual perto do piano. Atravessei a sala em três saltos e apossei-me das suas mãos.
- Gladys! - exclamei. - Gladys!
Levantou a vista surpreendida. Li-lhe no rosto uma alteração subtil. A expressão endurecida do olhar e o franzir dos lábios eram novidades. Libertou as mãos.
- Que me quer? - perguntou.
- Gladys! - exclamei. - Que se passa? É a minha Gladys, não é, pequena Gladys Hungerton?
- Não - disse ela. - Sou Gladys Potts. Permita-me que lhe apresente o meu marido.
Como a vida é absurda! Surpreendi-me a inclinar-me mecanicamente em frente dum homenzinho de cabelos acinzentados enroscado na grande poltrona que outrora me era reservada. Apertei-lhe a mão. Trocámos mesmo um sorriso.
- O papá autoriza-nos a morar aqui enquanto esperamos que a nossa casa fique pronta - disse Gladys.
- Ah, sim!
- Então não recebeu a minha carta em Pará.
- Não.
- Oh, que pena! Ela tê-lo-ia informado...
- Estou perfeitamente informado - disse eu.
- Contei a William tudo a seu respeito - prosseguiu. - Não temos segredos um para o outro. Estou desolada. Mas o seu sentimento não era muito profundo, não é verdade, pois partiu para a outra extremidade do mundo e deixou-me só. Não fica zangado comigo, pois não?