Madame Bovary - Cap. 23: XV Pág. 249 / 382

Ela reconhecia todos os arrebatamentos e angústias que por pouco não lhe tinham provocado a morte. A voz da cantora não lhe parecia mais do que o eco da sua própria consciência e aquela ilusão que a encantava alguma coisa da sua própria vida. Mas ninguém no mundo a amara com um amor semelhante. Ele não chorava como Edgar, na última noite, à luz da lua, quando diziam um ao outro: «Até amanhã; até amanhã!...» A sala vinha abaixo com os aplausos; bisaram toda a parte final; os amantes falavam das flores da sua sepultura, dos juramentos, do exílio, da fatalidade, de esperanças, e, quando lançaram o último adeus, Emma deu um grito agudo que se confundiu com a vibração dos acordes finais.

- Mas então por que é que aquele cavalheiro anda a persegui-la? perguntou Bovary.

- Nada disso - respondeu Emma. - É o seu amante.

- No entanto, ele jura vingar-se na família dela, enquanto o outro, o que apareceu há pouco dizia: «Amo Lúcia e creio que sou amado por ela.» Além disso, saiu com o pai, abraçado a ele. Era mesmo o pai, não era. aquele tipo baixo e feio, com uma pena de galo no chapéu?

Apesar das explicações da mulher, desde o dueto recitativo em que Gilberto expõe ao seu amo Ashton as suas abomináveis manobras, Charles. quando viu o anel falso que devia enganar Lúcia, supôs que fosse uma lembrança de amor enviada por Edgar. Confessou, além disso, não compreender a história, por causa da música, que prejudicava imenso as palavras.

- Que importa isso? - disse Emma. - Cala-te!

- É que eu - prosseguiu ele, inclinando-se sobre o ombro - gosto de perceber o que se passa.

- Cala-te! Cala-te! - disse-lhe ela impaciente.

Lúcia adiantava-se, meio amparada pelas suas damas, com uma coroa de laranjeira no cabelo, mais pálida do que o cetim branco do vestido.





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