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Capítulo 23: XV

Página 250
Emma pensava no dia do seu casamento; e via-se lá longe, no meio dos trigos, seguindo pela vereda, a caminho da igreja. Porque não tinha ela então, como aquela, resistido, suplicado? Pelo contrário, sentira-se contente, sem reparar no abismo onde se precipitava... Ah!, se, na frescura da sua beleza, antes da conspurcação do casamento e da desilusão do adultério, pudesse ter entregue a sua vida a algum coração grande e sólido, então, com a virtude, a ternura, as volúpias e o dever confundindo-se numa coisa só, nunca teria descido de tão alta felicidade. Mas essa felicidade, sem dúvida, era uma mentira inventada para causar o desespero de todo o desejo. Ela conhecia agora a mesquinhez das paixões que a arte exagerava. Portanto, esforçando-se por desviar dela o pensamento, Emma queria apenas ver naquela reprodução das suas dores uma fantasia plástica boa para entreter a vista, e até sorria interiormente com uma piedade desdenhosa quando, no fundo do teatro, detrás do reposteiro de veludo, surgiu um homem de capa preta.

O enorme chapéu à espanhola caiu-lhe, com um gesto que fez; e logo os instrumentos e os cantores começaram a entoar o sexteto. Edgar, faiscando de raiva, dominava todos os outros com a sua voz mais clara. Ashton lançava-lhe, em notas graves, provocações homicidas, Lúcia soltava o seu agudo lamento, Artur modulava, à parte, sons intermédios e a baixa estatura do ministro roncava como um órgão, enquanto as vozes femininas, repetindo-lhe as palavras, continuavam deliciosamente em coro. Estavam todos no mesmo plano a gesticular; e a ira, a vingança, o ciúme, o terror, a misericórdia e a estupefação eram expressos simultaneamente por aquelas bocas entreabertas. O apaixonado traído brandia a sua espada nua; a gargantilha de rendas subia e descia conforme os movimentos do peito e o homem dava grandes passadas da direita para a esquerda, fazendo tilintar contra o sobrado as esporas douradas das suas botas flexíveis, que se lhe alargavam nos tornozelos.

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pág. 250 (Capítulo 23)

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Capa do livro Madame Bovary
Páginas: 382
Página atual: 250

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
PRIMEIRA PARTE – I 1
II 12
III 22
IV 29
V 36
VI 40
VII 46
VIII 54
IX 66
SEGUNDA PARTE – I 79
II 90
III 97
IV 112
VI 126
VII 140
VIII 150
IX 175
X 186
XI 196
XII 209
XIII 224
XIV 234
XV 246
TERCEIRA PARTE – I 255
II 271
III 282
IV 285
V 289
VI 307
VII 325
VIII 339
IX 357
X 366
XI 373