Eurico, o Presbítero - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 67 / 186

Pendia-lhe da esquerda do arção a borda ensanguentada, da direita o franquisque. O ginete tresfolegava na fúria da carreira, açoutando os ares com as crinas ondeantes e atirando-se ao meio da espécie de voragem aberta nas fileiras cristãs, a qual como que tragava uns após outros os esquadrões muçulmanos. Ao chegar à confluência daquelas encontradas torrentes de homens armados, o guerreiro parou, e, olhando em roda por um momento, ouviu-se-lhe um grande brado. Era a primeira vez que a sua voz soava no meio da batalha, e a única palavra que lhe saiu da boca foi o nome de Teodemiro. Esse brado devia chegar longe, reboando como o trovão. Dir-se-ia que o cavaleiro estava habituado à conversação do bramido dos mares revoltos e do rugir das ventanias pelas fragas das serras; porque naquele grito, conjunto inexplicável de cólera e de dor, havia uma semelhança, uma harmonia com o gemido imenso da natureza quando luta consigo mesma no passar da tempestade.

Mas aos ouvidos de Teodemiro não podia chegar a voz do desconhecido. Arrastado pelos turbilhões de fugitivos, forcejando por obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes, ora com palavras de amarga repreensão, ora com o exemplo, o duque de Córdova combatia mui longe dele. Em vão o cavaleiro negro lhe repetia o nome: era inútil este chamar e, apenas, servia para atrair os golpes dos agarenos vitoriosos. As achas de armas, as cimitarras, os dardos faziam centelhar a armadura e o escudo do desconhecido, que, tomado, ao que parecia, dum pensamento doloroso, alongava os olhos por toda a parte em busca de Teodemiro. Com um gemido de desalento, o cavaleiro saiu, enfim, da espécie de torpor que o tornava imóvel ante o espectáculo de tanta desventura, e o seu despertar foi tremendo. Erguendo em alto a maça de armas e vibrando-a furiosamente em volta de si, começou a partir espadas e a abolar armaduras. Em breve, ao redor dele, no meio dos muçulmanos vencedores, o terror invadia os ânimos, como na véspera, como nesse mesmo dia, se espalhara por toda a parte onde haviam reluzido as puas da sua ensanguentada borda ou o ferro do seu cortador franquisque.





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