A Brazileira de Prazins - Cap. 1: INTRODUÇÃO Pág. 1 / 202

INTRODUÇÃO

Entre as diversas moléstias significativas da minha velhice, o amor aos livros antigos - a mais dispendiosa - leva-me o dinheiro que me sobra da botica, onde os outros achaques me obrigam a fazer grandes orgias de pílulas e tisanas. E, quando penso que me curo com as drogas e me ilustro com os arcaísmos, arruíno o estômago, e enferrujo o cérebro numa caturrice académica.

Constou-me aqui há dias que a Sra. Joaquina de Vilalva tinha um gigo de livros velhos entre duas pipas na adega, e que as pipas, em vez de malhais de pão, assentavam sobre missais, o meu informador denomina missais todos os livros grandes; aos pequenos chama cartilhas. Mandei perguntar à Sra. Joaquina se dava licença que eu visse os livros. Não só mos deixou ver, mas até mos deu todos - que escolhesse, que levasse.

Examinei-os com alvoroço de bibliómano. Eles, gordurosos, húmidos, empoeirados, pareciam-me sedutores como ao leitor delicadamente sensual se lhe afigura a face da mulher querida, oleosa de cold-cream, pulverizada de bismuto.

Havia sermonários latinos, um Marco Marulo, três retóricas, muitas teologias morais, um Euclides, comentários de versões literais de Tito Lívio e Virgílio. Deixei tudo na benemérita podridão, tirante uma versão castelhana do mantuano por Diego Lopez e um muito raro entendimento literal e constrição portuguesa de todas as obras de Horácio, por industria de francisco da costa, impresso em 1639.

Disse-me a dadivosa viúva de Vilalva que os livros estavam na adega havia mais de trinta anos, desde que o seu cunhado, que estudava para padre, morrera ético; que o seu homem - deus lhe fale na alma - mandara calcar o quarto onde o estudante acabara, e atirou para as lojas tudo o que era do defunto - trastes, roupa e livralhada.





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