CAPÍTULO VIII Quando Zeferino entregou a carta com um gesto soberbo da sua intervenção entre o fidalgo e o rei, o Cerveira olhou para o sobrescrito com estranheza, e disse que a carta não era para ele; e lia:
- Ao conde de quadros, general do exército real. Isto que diabo é?
- É isso mesmo, fidalgo; isso que aí está vi-o eu com estes olhos escrever el-rei o Sr. D. Miguel, ontem à noite, das nove para as dez. O senhor conde é vossa excelência mesmo, e eu sou sargento-mor das lamelas; lá ficou o meu nome no livro e mais o do meu pai, que foi despachado coronel por el-rei.
- O teu pai?! Coronel!...
- É como diz.
- Ora essa!... Coronel! Caramba! - disse, despeitado; parecia-lhe iníqua a promoção; mas ocorreram-lhe os velhos caprichos análogos de el-rei; as injustiças de algumas patentes superiores desde 1828 até à convenção. E abriu a carta com moderado entusiasmo. Parecia que a sua razão imergida, restaurada depois de duas horas bem roncadas, de papo acima, queria duvidar da autenticidade de um D. Miguel que fazia sargento-mor um pedreiro, e coronel um reles alferes que passara das milícias de Barcelos para infantaria. Achava natural e plausível em si as charlateiras de general e a coroa de conde; mas as mercês feitas aos dois plebeus... Caramba! - uma intermitência de juízo. Enfim, abrira a carta e lera para si com uma custosa interpretação, ora aproximando, ora distanciando o papel dos olhos.
A pouco e pouco, desavincou-se-lhe a cara carregada, iluminaram-se-lhe os olhos, coava-se-lhe no sangue o suave calor do convencimento. Lia coisas que lhe evidenciavam um Sr. D. Miguel autêntico, o autor da carta. Conhecia-lhe a letra. Lembrava-se muito bem; era assim; e então a assinatura - Miguel, rei - era tal qual.