CAPÍTULO XX Marta estava no quarto, onde tinha o seu oratório de pau-preto com frisos dourados, e dentro uma antiga escultura em marfim de um cristo dignamente representado na sua agonia humana. De cada lado da cruz ardia uma vela de cera benzida. Frei João entrara de sobrepeliz e estola: seguiam-no o Feliciano com uma vela de arrátel acesa, e o Simeão com a caldeirinha da água benta. Marta, com um pavor na vista, tremia, de pé, encostada à cómoda. O exorcista sentou-se, e chamou a energúmena com um gesto imperativo de cabeça. Ela aproximou-se hesitante e ajoelhou. Frei João compôs o rosto e deu à voz uma toada lúgubre em conformidade com a rubrica de brognolo - com grave aspeto e voz horrível, diz o demonómano. Começou por exercitar o preceito provativo, a ver se havia efetivamente demónio. E então bradou, fazendo estremecer marta: in nomine jesu Christi. Ego joanes est minister Christi... Vinha a dizer, em vulgar, ao demónio ou aos espíritos imundos, vel vobis spiritis inmundis, que, se estavam no corpo daquela criatura, dessem logo um sinal evidente, ou vexando-a, ou movendo-lhe os humores, segundo o seu costume, pelo modo que por deus lhe fosse permitido: eo modo quod a deo juerit permissum. Marta estava retransida de um sagrado horror, posto que não percebesse do latim do padre senão demónio e espíritos imundos. Nunca lhe tinham dito que ela estava endemoninhada, e à sua mentalidade faltava-lhe neste lance a força convincente e a energia da palavra para combater o engano do seu confessor. Não tinha vigor de carácter nem rudimentos de inteligência para reagir. Educada em melhores condições, sucumbiria com a mesma vontade inerte sob a violência do confessor. Há condescendentes humildades mais vergonhosas sem o diagnóstico da demência que as desculpe.